Medusa
Medusa, ser terrível, embora monstro, é considerada pelos
gregos uma das divindades primordiais, pertencente a geração pré - olímpica.
Só depois é
tida como vítima da vingança de uma deusa. Uma das três górgonas, é a única que
é mortal.
Três irmãs
monstruosas que possuíam cabeça com cabelos em forma de serpentes venenosas,
presas de javali, mãos de bronze e asas de ouro.
Seu olhar
transformava em pedra aqueles que a fitavam.
Como suas
irmãs, Medusa representava as perversões.
Euríale,
simbolizava o instinto sexual pervertido, Ésteno a perversão social e Medusa
a pulsão evolutiva, a necessidade de crescer e evoluir, estagnada.
Medusa também é símbolo da mulher rejeitada, e por sua
rejeição incapaz de amar e ser amada, odeia os homens nas figura do deus que a
viola e abandona e as mulheres, pelo fato de ter deixado de ser mulher bela
para ser monstro por culpa de um homem e de uma deusa. Medusa é a
própria infelicidade`, seus filhos não são humanos, nem deuses, são monstros.
Górgona, apavorante, terrível.
O mito de Medusa
tem várias versões, mas os pontos principais refletem estas características
acima.
Como Midas
ela não pode facilitar a proximidade, um transformava tudo em ouro com apenas
um toque, ela é mais solitária mais trágica, não pode sequer olhar, pois tudo o
que olha vira pedra, Medusa tira a vida, o movimento com um simples
olhar, também não pode ser vista de frente, não se pode ter idéia de como ela é
sem ficar paralisado, morrer.
Diz o mito
que outrora Medusa fora uma belíssima donzela, orgulhosa de sua beleza,
principalmente dos seus cabelos, que resolveu disputar o amor de Zeus com
Minerva.
Esta
enraivecida transformou-a em monstro, com cabelos de serpente.
Outra versão
diz que Zeus a teria seqüestrado e violado no interior do templo de Minerva e
esta mesmo sabendo que Zeus a abandonara, não perdoou tal ofensa, e o fim é o
mesmo. Medusa é morta por Perseu, que também foi rejeitado e com sua mãe
Danae trancado em uma arca e atirado ao mar, de onde foi resgatado por um
pescador que os levou ao rei Polidectes que o criou com sabedoria e bondade.
Quando
Perseu ficou homem, Polidectes enviou-o para a trágica missão de destruir Medusa.
Para isto
receberia o auxílio dos deuses. Usando sandálias aladas pode pairar sobre as
górgonas que dormiam. Usando um escudo mágico de metal polido, refletiu a
imagem de Medusa como num espelho e decapitou-a com a espada de Hermes.
Do pescoço
ensangüentado de Medusa saíram dois seres que foram gerados do conúbio
com Poseidon. O gigante Crisaor e o cavalo Pégaso.
O sangue que
escorreu de Medusa foi recolhido por Perseu.
Da veia
esquerda saia um poderoso veneno, da veia direita um remédio capaz de
ressuscitar os mortos. Ironicamente, trazia dentro de si o remédio da vida, mas
sempre usou o veneno da morte.
" Três
irmãs, três monstros, a cabeça aureolada de serpentes venenosas, presas de
javalis, mãos de bronze asas de ouro: Medusa, Ésteno e Euríale. São símbolos do
inimigo e se tem que combater. As deformações monstruosas da psiqué, consoante
Chevalier e Gheebrant ( DictionnairedesSymboles, Paris Robert Laffont, Júpiter,
1982) se devem as forças pervertidas das três pulsões: sociabilidade,
sexualidade, espiritualidade" .(Brandão, ed. Vozes 1987).
Tenho
observado em pacientes em terapia, alguns processos que remetem ao mito de Medusa.
Estes relatam um sofrimento imenso devido a dificuldades em perceber a própria
imagem. Quem sou eu?
A grande
pergunta para qual toda a humanidade busca respostas. Para estas pessoas, como
se tivessem uma imagem invertida refletida no espelho, a pergunta é o que eu
não sou.
Incapazes de
mostrar uma imagem positiva, como os filhos monstros de Medusa, erram
pela vida alinhando possibilidades para construir sua monstruosidade.
Estes filhos
de Medusa, embora filhos de um deus, herdam da mãe a figura monstruosa a
que se viu presa a bela Medusa. A duplicidade da Mãe os acompanha.
Pégaso unido
ao homem é o Centauro, monstro identificado com os instintos animalescos. Mas
tambem é fonte, como seu nome simboliza, alado , é fonte de da imaginação
criadora sublimada e sua elevação.
Temos em
Pégaso os dois sentidos ,a fonte e as asas. Símbolo da inspiração poética
representa a fecundidade e a criatividade espiritual. Pégaso talvez represente
o lado belo de Medusa, que ficou escondido, que não podia ser visto,
pois como vimos ela representava a pulsão espiritual estagnada. Pégaso é a
espiritualidade em movimento. Crisaor é apenas um monstro, pai de outros
monstros Gerião de três cabeças e Équidna. Équidina herda da avó o destino
trágico.
Seu corpo
metade mulher, de lindas faces e belos olhos, tem na outra metade uma enorme
serpente malhada, cruel . É a bela mulher de gênio violento. Incapaz de amar,
devoradora de homens. Uma reedição de Medusa. Continuará a saga
ancestral de odiar os homens e gerar monstros.
Com uma
imagem distorcida, como dizíamos anteriormente, estes "filhos de
Medusa" não podem ver-se a si mesmos como são, e sempre imaginam bem
piores até mesmo do que poderiam ser.
Alguns
autores como Melanie Klein e Alexander Lowen falam que a imagem de si se
origina do olhar da mãe. A forma como a criança é olhada, é vista, o que ela
percebe de rejeição ou aprovação é captado no olhar da mãe.
Os tristes
filhos de Medusa não podem vê-la, tambem não podem ser vistos por ela.
Esta mãe de mãos de bronze não pode acariciar, seu olhar paralisa, seus dentes
de javali impedem que beije, mas quando poderia ser atingida pelo filho ela se
torna divina, tem asas de ouro, é um alvo móvel.
Medusa incorpora para estas personalidades de estrutura depressiva
o mito da mãe divina, vista pelo seu filho como a santa mãe, não gera filhos
felizes, apenas trágicos. Não pode ser mulher, é santa.
A princípio
como Jocasta, depositária da paixão do filho, Medusa não o ama,
fazendo-o sentir-se torpr e culpado pelo seu amor incestuoso.
Como recurso
ele a santifica para continuar amando-a e justificando a sua rejeição como
forma de protege-lo da sua própria torpeza.
Desprovida
como santa de instinto sexual, não pode falar ao seu filho da sexualidade
feminina, não pode dizer-lhe o que é uma mulher. Inacessível como santa,
torna-se monstro.
Monstro que
é percebido pelo filho mas que se nega a ser visto como é. Medusa não
olha, não acaricia, não orienta. Paralisa. Não é por acaso que o sentimento da
depressão é a inércia, a perda da vitalidade.
Como se
tivessem transformados em pedra pelo olhar da mãe os filhos de Medusa
erram pela vida sem espelhos que traduzam sua imagem. São monstros cuja
criatividade afogada na pedra de suas almas precisa ser libertada. Precisam
encontrar um espelho e que lhes diga quem são ou pelo menos quem não podem ser.
No trabalho
terapêutico de pacientes com depressão, tenho observado que há uma enorme
dificuldade em perceber a figura materna. Ela é idealizada a partir de perfis
culturais que parecem não poder ser questionados.
Frases como: "qual a mãe que não ama seus filhos?" ou
"toda mãe é uma santa" traduzem a situação que impede a visão do
real. São pessoas desprovidas de afeto, mas com uma enorme necessidade de
carinho, que no entanto não suportam proximidade, de uma vez que não confiam em
ninguém, pois não acreditam que podem ser amados. Sentem se monstros. Alguns
mais adiante no processo chegam a perceber nitidamente que não foram amados,
mas como se esquivando de perceber a profundidade dessa dor negam afirmando que
isto é normal, diante da sua torpeza. Falam de mães ocupadas, falam de mães
vaidosas ressentidas da perda da beleza com o nascimento do filho. Mas essas
referências são quase superficiais.
Quando
conseguem se aproximar da visão real dessa mãe de garras e mãos de bronze os
sintomas se multiplicam, aumenta a depressão e com esta a paralisia, a inércia.
Podem passar vários dias deitados, sem trabalhar ou realizar um mínimo de
esforço.
Ver Medusa
é petrificar-se. Muitos desenvolvem sintomas de dor de cabeça, medo de doenças
fatais como câncer, AIDS (doenças ligadas a amputação, decapitação, ao sangue,
a sexualidade e sintomas de castração).
As fantasias
de autopunição se multiplicam, relatam possibilidades de acidentes de automóvel
ou com armas de fogo. Tem fantasias de traição com amigos ou companheiras. São
pessoas trágicas. Todos relatam uma ausência de alegria, mesmo quando estão em
ambientes alegres. Uma profunda inveja do prazer do outro os assola. Muitos
perseguem a fantasia de resolver a falta com postos de poder e dinheiro.
Aumenta a dor. O poder que tanto ansiaram ou o dinheiro que tudo resolveria
aumentam a profundidade do abismo. Ter tudo e não sentir-se nada é muito mais
terrível. O abismo se abre cada vez mais como as entranhas da mãe monstruosa.
Restam- lhes fantasias suicidas. É preferível morrer a sentir-se monstro.
Muitos realizam esta fantasia como ultima tentativa de atingir Medusa.
Mas ela nada
sentirá, seu ódio pelo homem que a violou transmite-se ao filho que gerou. Sua
pior inimiga Minerva ( a deusa da inteligência), deixa-lhe como legado o ódio
às mulheres.
Não pode
dizer ao filho como lidar com elas, como gerar com elas novos filhos, amados
,sadios. Sua descendência, embora não precise ser deverá ser de monstros
gerando outros monstros. Fala-se da hereditariedade da depressão. Penso que se
houver é muito mais transmitida em gestos e pelo ambiente trágico e desprovido
de prazer, em que estas novas crianças nascerão.
Os filhos de
Medusa não podem ter mulheres amorosas, isto a denunciaria. Raramente,
quando encontram estas mulheres não podem confiar nelas e abortam assim a
possibilidade de obter o amor que os revitalizaria.
Mas, apesar
das dificuldades e das fantasias autopunitivas, Medusa pode ser vista.
Através do
espelho do terapeuta e deste como espelho, a figura de medusa pode ser
vista. Se a relação terapêutica se dá de forma transferencial, amorosa,
confiante, o espelho refletirá imagem de Medusa, como ela é.
Incapaz de
amar, cruel e terrível, górgona, apavorante. Como resultado o filho descobrirá
que o monstro é ela, não ele. Da morte dela resulta sua vida, e como Pégaso ele
ganha os céus, liberto, simbolizando a vitória da inteligência e sua união com
a espiritualidade, a sensibilidade que sempre existiu naquele que se julgava o
monstro.
Como Pégaso,
se não se aferrar ao seu aspecto de humano comum, em revoltas descabidas e em
vinganças inúteis poderá compreender a tragédia de Medusa e perdoa-la.
Não se transformará no monstro Centauro, identificado com o instintos
animalescos e a sexualidade desregrada. Se incorporar Centauro errará pela vida
sem pertencer a ninguém. Homem de muitas mulheres, mas sem nenhuma. Será
monstro preso a sua mãe monstruosa. Incapaz de amar como ela. Se assumir sua
condição de Pégaso, será fonte, de todas as belezas, da mais pura elevação, da
criatividade, da fidelidade. Não é por acaso que Pégaso simboliza a Poesia.
As filhas de
Medusa também apresentam como ela a impossibilidade de ser amada. São
mulheres tristes de trágica figura, mesmo quando belas. Condenadas a serem
crianças eternas presas as entranhas da mãe, não podem deixar de ser
filhas-monstro, a não ser para poderem ser mães- monstro. Filhas da violação e
do abandono (é assim que Medusa transmite a elas sua relação com os homens) são
mulheres-meninas, incapazes de perceber o homem a não ser como brinquedo, ou
como fonte de sofrimento. Unem-se quase sempre a homens cruéis que possam
justificar a idéia da mãe da impossibilidade de ser feliz com um homem.
Quando
raramente encontram o amor, destroem-no destruindo o homem amado, como faz no
mito Équidna, legítima herdeira de Medusa..
Mulheres de
amores infelizes, herdam de Medusa as garras, as mãos de bronze, e as asas de
ouro. Vítimas de novos abandonos reforçam em cada experiência infeliz a idéia
da mãe.
Também
possuem o olhar terrível. Das uniões infelizes geram filhos infelizes que
carregam presos a si mesmas não por amor, mas pelo terror que podem gerar.
Novas medusas.
Se pela procura puderem chegar ao espelho, podem ser deusas, podem ser Pégasos,
ou até mesmo Poesia uma das Musas; se não seguirão seus destinos de mulheres-
crianças gerando filhos que não podem amar e que no máximo lhes servem de
brinquedo para suas brincadeiras cruéis de paralisar e aterrorizar pessoas.
Seguem a saga de Medusa. Mulher que se torna monstro, pelo descuido de
homem, pela crueldade de uma deusa.
Mas e as
mulheres Medusa? O que lhes resta?
O próprio
mito nos mostra.
Perseu filho
de Danae, mãe amorosa, que segue seu filho no destino que lhes foi dado pelo
pai terrível que ouviu de um mago que seria assassinado pelo neto.
Trancados em
uma arca atirados ao mar são salvos por Poseidon que os encaminha a uma praia
tranqüila onde são recolhidos por um pescador e levados ao rei Polidectis, que
o educa amorosamente como filho. Perseu é filho de mãe amorosa, que tudo perde
para seguir seu filho. Que abandonada por um homem, o próprio pai, atirada à
morte por ele não transforma isto em ódio a masculinidade. Perseu também. Seu abandono
pelo avô e pelo pai que não o salva, é no entanto criado por um pai amoroso.
Perseu e
Danae o oposto de Medusa. Não permitiram que sua desgraça se
transformasse em ressentimento para com a humanidade. Foram alcançados e salvos
pelo amor humano.
Ao contrário
de Medusa, da qual ninguém pode se aproximar. Somente Perseu poderia
destruir Medusa, ele pode ser visto exatamente como seu contrario no
espelho, ela mulher, ele homem, ela ressentida, ele perdoando, ela sem
possibilidade de resgate, ele salvo pelo amor da mãe que o acompanha, pelo
cuidado de um deus e pelo amor de uma pai-rei.
Tudo o que
faltou a Medusa que precisa ser vista, no espelho, para poder ser
destruída e libertar Pégaso.
Medusa tem que ser compreendida alem do seu aspecto
monstro, como mulher-criança, frívola, presa a beleza passageira, desafiando a
grande deusa, a inteligência a quem desafia e a quem odeia. Para depois de
morta servir a ela, Minerva, mesmo que seja como esfinge no seu escudo.
Guiado pela
inteligência e sabedoria de Minerva, que corrige o seu erro de ter criado um
monstro, o olhar de Medusa agora é útil, tem aplicabilidade, destroi o
inimigo. Já não mata os que ama.
Se a
transferência não se realiza, se a relação terapêutica não se faz, e disse
alguém que a terapia é uma função de amor, os filhos de Medusa verão no
terapeuta a imagem dela e fugirão.
Tudo estará
perdido, o amor não poderá realizar seu resgate, e Medusa permanecerá
eternamente viva destruindo e paralisando até que se destrua ou destrua seus
filhos.
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